Não a deixei entreaberta para que você entre. Você já o fez. O que falta fazer é dar meia volta e sair, afastar-se do caos pelo qual foi atraído.
Você apareceu na minha vida por acaso, numa típica quarta-feira de crise existencial, daquelas em que a gente se dirige até um supermercado ou qualquer outro lugar estúpido e compramos bebidas, cigarros e todas as porcarias possíveis com as quais vamos nos entupir diante da tevê ao chegar em casa.
Mas você é teimoso, e ao cair de paraquedas na minha vida eu te avisei que não era uma boa ideia permanecer, ficar por dois, três… quinhentos e setenta e sete dias e cerca de três horas. Não era pra me incluir na sua rotina ou planejar um futuro ao meu lado. Era para se aproximar, passar a noite, conhecer o ambiente e concluir que estava diante de uma criatura perturbada o suficiente para ficar com um pé atrás. Mas você não o fez.
Você entrou na minha vida como quem não quer nada, se alojou, permaneceu e eu, ciente do que estava por vir, te avisei, te expulsei, fiz com que se desgastasse ao máximo e mesmo assim você não arredou o pé daqui. Você ficou, você cravou sua morada em meu peito e transbordou.
Agora é melhor a hora para sair de fininho, enquanto eu presto atenção no meu universo particular, nos meus sonhos e anseios. Vá, querido. É o melhor que você pode me oferecer. Deixei a porta aberta durante todo o tempo para prevenir-me de uma possível paixão.
Que tu sabes que um coração machucado não pode ser consertado. Depois de quebrado, só o que consegue fazer é machucar quem tenta reunir seus cacos. Então vá, que a porta ainda está aberta e lá fora há pessoas imunes ao egoísmo que carrego por ser tão efêmera e depravada. Vai, mas sem olhar para trás, que ela está escancarada e é sua última oportunidade para escapar desse meu mundo bagunçado ou dizer-me de vez: o que o faz continuar aqui?